domingo, 22 de maio de 2011

Depois de um longo tempo distante do blog, decidi deixar a preguiça de lado e colocar um texto que me trouxe muitos questionamentos quando eu o fiz.
É um texto falando sobre os cem anos da Revolta da Chibata e que também traz uma série de questionamentos dos quais nem nos damos conta em nosso cotidiano, ou seja, deixamos de lado valores importantes que hoje em dia, infelizmente, caíram no esquecimento.

Segue o texto abaixo:

O Marinheiro da Liberdade

   Esse era João Candido, um dos ícones vitoriosos de nossa historia brasileira, contudo, desconhecido para muitos de nós. Ele era conhecido como o “Almirante Negro”, titulo dado por sua liderança na Revolta da Chibata, na qual tinha um objetivo pacifista e ao mesmo tempo reivindicava o fim dos castigos físicos e das humilhações que sofriam os negros no serviço militar. Esses dois fatores eram de completa ignorância aos direitos éticos e morais dos indivíduos que eram tratados como animais, bichos, somente com o intuito de dar prazer ou servir aos seus donos. O que João Candido defendia na época seria discutido com real importância décadas depois, nos artigos segundo, quarto e quinto da Declaração Universal dos Direitos Humanos que em suma representam respectivamente: a liberdade entre todos, sem distinção de cor, sexo, opinião ou qualquer outra condição; o fim da escravidão ou servidão em todas as suas formas e o fim de qualquer tipo de castigo e humilhação sejam eles físicos ou psicológicos. Assim como ele, muitos outros lideres negros lutaram para que fossem ouvidos e foi preciso a declaração virar lei para que se fosse “respeitado” os direitos dos negros. Precisávamos de uma declaração para respeitar os direitos dos negros? Essa virtude já não deveria estar conosco em nosso cotidiano?
   Mas não faz sentido o fato de muitos de nós não sabermos quem foi João Candido, o que ele defendeu e o que ele nos representou e representa ainda atualmente, mesmo ele atingindo os objetivos que se propôs a alcançar. Por que não nos é contado sobre a revolta? Muito desse desconhecimento se deve ao nosso olhar ocidental e eurocêntrico das coisas – nos mostrando apenas uma maneira de pensar sobre algo, fazendo que englobemos os costumes europeus e ocidentais, o que leva a nós brasileiros a esquecer os nossos costumes – e também ao preconceito contra os negros que permanece até hoje. O primeiro, o olhar ocidental e eurocêntrico, é cultivado pelas elites brancas que desejam menos problemas para o seu lado, se impondo como o exemplo a ser seguido para o sucesso, evitando formar opinião entre as pessoas. O segundo, o preconceito, é conseqüência do primeiro, muitas vezes levando o próprio negro a negar sua identidade, sobretudo por conta dos ideais brancos que se dizem “superiores” agindo em conjunto com os veículos de imprensa que de forma indireta os manipula, prometendo a ascensão na hierarquia social. Basta tomar como exemplo um trecho de um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo que dizia que as mulheres africanas untam a sua pele com produtos abrasivos para tornarem-se um pouco menos negras, com objetivo de ascender na hierarquia social. Um outro exemplo é que muitos de nós sabemos sobre as bandas de rock estrangeiras, de seriados televisivos, de desenhos; em suma, das atrações estrangeiras, mas pouco sabemos de nossa cultura, de nossa historia, de nossa identidade. Cultuamos muito mais a cultura estrangeira do que a nossa própria cultura. Provo. Pergunte a qualquer jovem qual a sua preferência musical, ou sua preferência televisiva. Provavelmente ele responderia que prefere os estilos “rock”, “black”, “pop”, etc, estilos musicais que provém da cultura estrangeira, ou então responderia que assiste a desenhos ou programas esportivos. Dificilmente você encontraria alguém que gosta de samba ou algum jovem que goste de assistir a programação da TV Cultura. Não que seja ruim absorver a cultura de outros povos, longe disso, porém, deve se dosar esse conhecimento, não ignorando a importância da cultura afro-brasileira e o legado africano para humanidade, o que é muitas vezes praticado.
  Todos esses fatores mostram um grave problema e apontam as suas consequências, a negação do indivíduo de sua identidade por detrimento dos costumes estrangeiros o que acaba culminando em um processo de aculturação (não no sentido da extinção da cultura negra, mas sim no sentido do fim das praticas de seus costumes em troca dos costumes estrangeiros) o que até influêncía o modo de ver o mundo e ajuda ainda mais a alimentar o preconceito.
  Relacionando esses fatos com o nosso desconhecimento sobre a Revolta fica mais fácil entender o porquê da omissão e o desconhecimento para nós sobre a Revolta da Chibata, sem sabermos mais profundamente o que representou e ainda representa este levante que nos deixa heranças ate os nossos dias. O que representou e ainda representa a revolta é de inestimável valor, foi a luta de uma classe social que historicamente sempre é perseguida (os negros), pelas consideradas classes mais favorecidas (os brancos). Mesmo sendo “teoricamente” incapacitados, os negros, liderados por João Candido, com seus próprios recursos puseram fim aos castigos físicos e humilhações a que eram submetidos. Caso este movimento fracassa-se ou nem mesmo tivesse tomado corpo, as conseqüências seriam bem diferentes comparando com as de hoje. Os castigos físicos continuariam, o tratamento que os negros recebem hoje seria o mesmo de nove décadas atrás, somando-se que ainda hoje no Brasil existe um forte preconceito/discriminação mesmo que seja de forma velada, mascarada. Esse quadro se manteria até os dias de hoje se ninguém tomasse a corajosa atitude que João Candido tomou, de lutar pelos seus direitos. Parece evidente que a repercussão da Revolta e sua analise mais profunda de outros olhares nos apresenta alguns questionamentos que cabe a nós debatermos.
   É triste ver que ícones negros como João Candido, Solano Trindade, entre outros passam despercebidos em nossa historia e que por conta de questões secundárias, muito dessa rica historia não nos é contada, sempre prevalecendo o “velho e bom” olhar globalizado que estamos acostumados e sabemos de cor. A aprovação da lei 10639/03 – que institui o ensino da Historia da Cultura Afro-Brasileira foi um passo importante para a saída desse problema, mas ainda é pouco, devemos eliminar o mal pela raiz, mas a raiz não é pouca coisa não e como já dizia Maquiavel, “os preconceitos têm raízes mais profundas que os princípios”.

Um comentário:

  1. Ótimo texto!
    Gostei muito do jeito como você relacionou o tema da Revolta da Chibata (que é, de fato, desprezada) com o preconceito aos negros e à cultura brasileira como um todo. Mostra bem como o eurocentrismo deixa seus rastros enraizados em qualquer parte, seja na História, seja na cultura atual...
    Em suma, ótimo. Parabéns, mesmo!

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